Fado para a lua de Lisboa
Fado para a lua de Lisboa
Ó Lua, espelho do chão
Que andas no céu pendurado
Holofote da ilusão pelo turismo alugado
Não ilumines em vão os sulcos do empedrado!
Denuncia nas valetas
As sombras que tu arrastas
Prostitutas, proxenetas
Silhuetas de pederastas
Colos brancos rendas pretas
Casas tortas pedras gastas
As rugas do sobressalto
Ó Lua não as destruas!
Tu viste carros de assalto
Rondarem por estas ruas
Viste rolarem no asfalto
Vestes mais alvas que as tuas
Foste a lua a que se expunha
Aos tiros a multidão espelhaste na tua unha
A secular aflição e já foste testemuha
Dos fogos da Inquisição
Procissões do Santo Ofício
Fileiras de condenados
À noite, nem só o vício
Rasteja por estes lados
As serpentes do suplício
Silvam nos pátios murados
Ó Lua, guarda o retrato
De tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
Da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
Passatempo de turistas!
Clorofórmio dos enfermos
Se foges dos hospitais
Então recolhe-te aos ermos
Desertos celestiais!
E quando te não merecermos
Não te acendas nunca mais!