Mangueira de Pedra
Velha mangueira crioula
Curral de pedra empilhada
Que até o pastor da manada
Bombeia com desconfiança
Ficaste como lembrança
Da infância desta querência
Guardando a mesma inocência
Dos brinquedos de criança!
Dizem que foi o jesuíta
Que te ergueu nas solidões
Na fronteira, nas missões
No litoral e na serra
Para que fosses a encerra
Das primitivas tambeiras
E das éguas caborteiras
Mais livres que a própria terra!
E te plantaram no campo
Com metro e meio de altura
Meia braça de largura, redonda ou de cantoneiras
Quatro varas nas porteiras roliças e descascadas
Como lanças encravadas no buraco das tronqueiras
E, alí, no aberto, aprumada, remendo na sesmaria
Te irmanaste em serventia ao laço e à boleadeira
Qual outra nota campeira da nova Sociologia
Prenuciando a trilogia: Galpão, rodeio e mangueira
Depois, ao berrar do gado e ao relinchar da tropilha
Viste surgir na cochilha um casarão empedrado
E o vulto desentonado, de galpão de frente aberta
Com santa fé na coberta qual um bugre empenachado
Era o galpão do Rio Grande, era a estância que surgia
Vertente da economia do Brasil Meridional
Com um abraço cordial aberto com natureza
Exprimindo a singeleza do velho pago Natal
E se galpão foi o templo da xucra democracia
Tu foste a arena bravia onde gladiadores novos
Perpetuaram aos corcovos uma epopéia sem fim
Pra que teu rude clarim fosse ouvido noutros povos
E na estranha sinfonia
De Corcovo e de Manquascaço
De berro e tiro e de laços
Das monarcas nos galpões
Nas domas e marcações
Junto ao fogão da amizade
Tu foste o traço da igualdade
Entre a indiada e os patrões
E tivestes os teus heróis
Velha mangueira retaca
Desde o piá de botar vaca
Arte do poema campeiro
Até o xiru pataqueiro
Que, para enlevo das chinas
Fazia rédea das crinas
Do potro mais caborteiro
O tempo foi se passando, modificou-se a querência
Mas tu não perdeste a essência
Pois mesmo de varejão e até mesmo de listão
Com tronco, seringa e breté
O teu vulto ainda reflete a infância do nosso chão
Aos próprios irracionais emprestas calor e afeto
Pois mesmo aberta e sem teto és vivenda hospitaleira
E a vaca que foi tambeira fica por ti enfeitiçada
Passa o dia na invernada e vem dormir na mangueira
Ao evocar-te, Mangueira, volto à piazinho pequeno
Pés molhados de sereno e, às vezes, duros de geada
Campiando vacas estraviadas choramingando de nojo
Pra depois, beber apojo, com gosto de madrugada
Por isso, não admira Mangueira da minha infância
A este pobre pia de estância tu signifiques tanto
Como tu, sequei meu pranto mas continuo aporriado
Até ser emangueirado na encerra do campo santo