Nordeste Ficção
Um dia eu sonhei que eu era um cacto
Desses que tenho em casa e eu não cuido
E que mesmo sem cor, sem água, sem ter flor pra dar
Com os espinhos tortos, 'inda olha rindo
Vivo, intacto
Vivo, intacto
O cacto
Menina, o sonho, eu acho que era um cacto
De um interior envelhecido
Que fugira do sertão na tentativa
De colher futuro farto e voz ativa
Vivo, intacto
Vivo, intacto
O cacto
Olha eu em essepê na portaria
Da brecha eu te mando um bom dia
O senhor batе os seus pés, sobe a fumaça
Tragando o mundo eu sigo е você passa
Agora eu viajei, eu era um cacto
Desses na cidade grande, esquecidos
Xique-xique, pobre pobre, lado a lado
Que rachando a terra abre mais caminho
Acordo, afio os dentes
Sou eu, cacto
Cortando a raiz sou mais de um país
E o status resistente
É fama pra dizer que a gente aguenta
(Vivo, intacto)
Que manda chumbo grosso e nós sustenta
(Vivo, intacto)
Botaram pra vender nossa esperança
(Vivo, intacto)
Criaram o roteiro dessa dança
(Vivo, intacto)
Lugar hostil de gente tão pacífica
Nordeste ficção científica
É pobre, é seca, é criança raquítica
Nordeste invenção política
Nordeste equação artística