Nó Cego e Bartiômeu

Leandro Marques

Ei meu, é hora de acordar
Levanta Bartiômeu! Vamo lá, vamo lá!
Que vamo lá que nada, deixa eu dormir
Vaza, moleque! Saí daqui, saí daqui!
Qualé nego véi, a cabeçada que vem
É gente pra dar com pau indo pra Jerusalém
Tô duro, tô bolado, desde de ontem sem comer
Então fica ligado que é hora do vamo vê
Prepara o boné, vem que vem no talento
Vê se não da mole e aproveita o momento
Pronto levantei, qual que foi? Tô de pé
Vou sentar aqui na calçada só pra ver qual que é
Sei que tu tá na pindaíba, sem bagaceira
Mas no meio do deserto da Judéia é doideira
É cada um por si, se defende como pode
Nós aqui, logo ali, o burguês do Herodes
Dentro do seu castelo, vários, vários camelo
Várias mina, várias peça, cheio do dinheiro
No Palácio da Injustiça, fortaleza de inverno
Ele tira onda lá dentro e nóis aqui no inferno
O sol quente do dia, o vento frio da noite
Só eu e minha capa porque a vida é açoite
A poeira, o desprezo, a miséria, a garoa
A solidão que maltrata toda e qualquer pessoa
Acostumado a identificar os ruídos de quem ia
Pras viagens, as caravana que subia e descia
Mas um dia ouvi um barulho diferente
Perguntei pro dimenor “Dónde vem essa gente”
Quando ouvi o seu nome meu coração se encheu de fé
Era o profeta prometido vindo de Nazaré (de Nazaré)

Jesus, Filho do Rei Davi
Olha pra mim, toca em mim
Tem compaixão de mim, tem compaixão de mim

Um denário, um pedaço de pão ou um pedaço de sol
Tio Zaca, hoje tá quente pra dédéu
Como pode ô Bartiômeu você falar do sol
Se você nunca viu, se você nunca olhou pro céu?
Zaca tava certo, minha vida é escuridão eterna
Ele enxergava, mas puxava de uma perna
Veio da Galileia, primo do Nó Cego
Meus amigo aqui na Cracko, um bisnaga e um prego
Uma esmolinha para um pobre cego, meus irmão
Afinal de contas, cês são fi de Abraão
Que fi de Abraão? Eles são fi do cão!
De Saul, de Hamã, de Jezabel e Balaão
Tá geral sem arame, no cavalete, ô meu
Por causa do imposto que aumentou, do Zaqueu
Aquele truta é sinistro, cabelin burguês
O que ele tem de pequeno, tem de ruim
E ocês não sabem do que aquele anão de jardim é capaz
De roubar seu próprio povo, alemão, satanás
Tomara que Jesus encontre o publicano
Pra jogar uma maldição daquelas nele, né mano
Mas Jesus não é bruxo, Ele é Salvador
Ele defende o durango, mas também ama o doutor
Se encontrar com Zaqueu, vai fazer proposta
Dele doar o que tem, qual será a resposta
Hum, eu duvido! O maluco é sovina
Sempre nas quebrada, catando as propina
Funcionário público, representante da gente
Mas ao invés de adiantar só oprime e não sente
Pena de ninguém, tem que morrer
Peraí, Nó Cego, pode até se arrepender
Quem mudou água em vinho pode mudar coração
E quem sabe até de quebra nos devolva a visão

Ó meu Deus, eu me sinto tão sozinho
Na noite que nunca acaba, a beira do caminho
Os mercadores passam e eu tento encontrar
Tateando de quatro no escuro procurando catar
As esmolas que eles lançam é o que sobra
Nessa vida de blackout a correria sempre dobra
Meus direitos ninguém vê, ninguém sabe, eu sei
Porque em terra de cego, doido, o desrespeito é lei
Sem rampa nas calçadas, sem elevador pra descer
Sem Torá em braile, mas pra quê? eu nem sei ler
Quero aprender, quero ser
Quero que alguém me veja para que eu seja alguém
Que seja alguém que não precisa ser marginalizado pela sociedade
Porque o pior cego é aquele que não quer ver
Seja na crackolândia, no vale do Rio Jordão
Na cidade das Palmeiras ou na Avenida São João
Só tinha um truta, meu único irmão
Cego como eu, parceiro de profissão
Dividia as agonia, as ironia, as covardia que corroía o meu dia a dia
Prometi pra ele: “Nó Cego, quando o Mestre passar
Vou me levantar e vou gritar seu nome até Ele me curar
E vou voltar pra te buscar
E se Ele me fizer ver, eu vou falar pra Ele
Tem um parceiro que também precisa de você”
Eu acho que Ele vem
Vai pra Jerusalém, e quando Ele passar eu vou gritar

Em Jericó Bartiômeu desafiou a gentalha
Como Josué, no passado, rompeu as muralha
Porque ele creu no Messias que nunca falha
Que nunca perdeu, que nunca perde uma batalha
O bicho era cego, mas ouvia bem
Falar, então, nem se fala! Ói, o Mestre é vem!
Bartiômeu clamou, gritou, implorou, suplicou
De tanto que ele insistiu, Jesus parou
Jericó, pra quem não sabe é batalha pesada
Mas Bartiômeu era guerreiro que encarava qualquer parada
Não deixava ele chegar a multidão
Mas ele sabia que a Luz do Mundo podia iluminar sua escuridão
Se Jesus passou na cracko de Jericó
Pode encontrar com você onde você só
Sabe onde você tá, onde se sente só
Onde a cegueira do pecado chega a dar dó
Jesus chamou o cego, o cara levantou
Jogou a capa fora, Jesus lhe perguntou
“O que é que você quer?”
“Eu quero enxergar”
Tocou no mano, ele viu e começou a louvar
Pode tocar em você se tiver fé pra gritar
Se tiver cego, perdido, sozinho, pode cantar
Esta canção pro Mestre escutar
E se for de coração, tio, Ele vai parar

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