Autocrítica
Um dia vou falar por decassílabos
Respirar em allegro
E ter ouvidos dodecafônicos
Discursarei como Trotski
Pregarei como Vieira
Governarei como Lincoln
E como Dante amarei
Um dia meus olhos serão
Câmeras de Bergman
Lunetas de Galileu
E nas noites de taverna
Beberei, eu beberei
Em sonetos de Shakespeare
Minha voz cantará
Um quarteto de cordas
Composto por Bach
Na cabeça irá um Copérnico
A observar a dança dos astros
Descobrir quais são os caminhos do espaço
Meu braço terá a força de Júpiter
E a pontaria do Hubble
Meu rosto vai se corar de Matisse
Ao compor mais um ditirambo
A boca terá a sanha de Sade
E a pena terá o toque de Tolstói
Mas nem por isso a dor menos arde
E muito menos o ardor menos dói
Leitores, esqueçam Cervantes
Machado, Drummond e Tchaikóv
Crianças, esperem brinquedo
De esconde-esconde com o mago de Oz
Mas por enquanto eu vou apenas sendo eu mesmo
E por mistério nenhum dom me sorteou
E quando busco ser Pascal em pensamento
Não sou mais sério que um cantor de rock'n roll