Mão na Música
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
Da sua mão sobe o ar ao infinito, de lá treme
A música por um lado vê-se, por outro não se vê
Nada da música se improvisa por acaso
A música corre nas gargantas
E pode ser tocada com um só dedo
A música mostra-se feia para os seus pares
E bela para os seus ímpares
A música emudece por vezes os cantores
E deixa-os a sós nos camarins
À espera do amigo, do carrasco
A música não é a mesma quando ouvida de longe
Ou quando ouvida de perto
A música não tem explicações a dar a si mesma
Isso explica tudo
A música dá asas a quem voa
Quem tem asas para voar
A música faz aos poemas
Aquilo que os poemas quiseram fazer dela, render-se
E aos outros propõe, rendam-se
Tréguas e batalhas sem ordem de aviso
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música referende à liberdade
Sim ou não?
A música depende dum botão da liberdade
E desunha-se a mostrar os efeitos de num dedo, a voz humana
A música faz orelhas moucas
A música não se esquece no silêncio
Por isso nos lembramos dela
Permanece em mais que um som
A música vai por vezes mais alto
E duma torre afunda o eco no centro da terra
A música aguenta-se de pé, dorme sentada
Dança e escorrega na cama
A música pausa e posa, faz das malas a viagem
Mas se acena já de longe
A música atira os seus poemas ao mar
E recebe-os nas ondas do dia seguinte
Nas garrafas, outro povo
A música perdeu muitos bons poemas
No vento contrário, quem sabe eram bons
A música é uma cópia duma cópia
Cara aberta vai ao fundo e vem à tona por respiração
A música é uma revolução de estilos
É do passarinho, herdeira órfã
A música é órfã, quando nasceu os seus pais tinham morrido à pouco
É órfã
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música esfrega os dedos em tudo o que der som
A música nunca teve em si mesmo uma moral
Pensa que não pensa e que não perdura
Diz-se que faz muito bem ouvi-la
Alguém que pense e que perdure por ela
A música não tem barreiras
Mas o amor por ela sim
A música prepara-se destroçada mas vaidosa
Para confessar tudo ao cair do sol
A música chora e ri ao mesmo tempo
Uma criança por razões não exatamente compreensíveis
A música quer ser perfeita sempre que por escolha é imperfeita
Por talento dá-se a todas, a bondade, a presunção
Ressentimento, e mais não fosse a quatro tempos
A música de repente é a mesma nota
Repetida e outras vezes
A música mete-se com caneta e gravador
É maior e é menor
A música quando se encontra já lá está
A música nasceu antes de nós termos nascido com ela
A música segue a sua sombra
E pela sombra em fação ao espelho
Ou é ritmo ou é pausa, ambos dúbios mas reconhecíveis
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música enfeita as janela e aberta vê-se da rua
A música eriça-se ao menor vento, arranha-se a si mesma
Ladra ao ar, risca a terra, gosta mesmo
A música quando a chuva cai com barulho dentre as nuvens
Vê-se o mar em dia de acalmia, o que não é explicável
Nem por norma nem por exceção dos deuses
Digamos que são os sons em dia de ofertório
A música vai de rio e desagua
Aquece a água doce, rebenta no mar salgado
Larga os seus bichos no mar
A música tem duas mãos
É tocada com um só peito e um só dedo
Da música sobe o ar ao infinito
A música tem um só dedo e um só dedo
A música tem um só dedo e um só dedo
Nada da música se improvisa por acaso
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
(A música é tamanha)
Cabe em qualquer medida
A música é tamanha
(A música é tamanha)
Cabe em qualquer medida