Âncora
[Refrão]
Eu vou nesta canoa
Esta marcha é minha
Procuro ser pessoa mas nunca andar na linha
Quando este barco voa, eu vou na proa
Mas ninguém imagina
Ninguém me imagina
[Verso 1]
A esperança ainda é boa
Deixa vir o adamastor
Ainda tenho uma canoa
Ancorada a um contentor
Ainda não morri pela boca
A morte é pouca para o escritor
Ainda não cedi à troça
Daquele que ri, castor!
Não me vejo nesta forca haja força!
Só estou louca — é um factor
Sou o locutor que arrota — fogo solta — traz extintores
O receptor interroga
Eu não pedi um consultor
É que já me vejo pronta
Onda do fio condutor
Que me amarra e me transporta e me solta onde for
Ainda queria ter sabor, dar algum valor à sova
Estúpida!
Atirar-mе à dor
Para sangrar alguma prosa
Procurar sentir calor e que o suor
Tеnha o sabor de quem me afronta!
Não preciso de elitistas com ideais do impreciso
Preciso é de almas limpas
Um ouvinte que pouco objector, canalize
Na cabeça um gira-discos
Inventor dos paraísos
Tão líricos que explicito-os
Não vivo num monitor, não sei limpar este vírus
O que é que é um subscritor
Se não é perceptor do todo?
Para que serve um prossector
Se não se interessar pelo corpo?
Hão de haver opositores
Obstrutores e colóquios
Tragam ópio para os senhores
Para que falem de si próprios
Tragam blocos, tradutores
Promotores dos episódios
Para que somos projectores
Se não há correctores para pródigos?
Quem desligou os valores?
Os que fingem — monstros, sonsos!
Estamos secos nestes becos, prontos a sugar os poros
Acreditas no pastor?
Assertor das tuas posses, das tuas poses, dos teus modos
(Povos cegos!)
Eu acreditei nos modos, não nos egos
Ouvi vozes
Ou nas vidas ou nas mortes
Ou na frieza dos ossos
Transportes para nós próprios
Pó igual ao pó do próximo
É mais lógico
Analógicos os contos
Contam tontos os pombos todos
Quem é que se mostra aos corvos
Para que algures se piquem olhos?
Qual é a razão dos cortes?
Fazem pontes explicativas
Expostas com fontes bonitas
Para que seques as pupilas
Enquanto vês se acreditas
Privam-nas além das linhas
Para que existam, há falinhas
Menos mansas que te prendem
Não avanças?
Há presilhas que te amansam até que tendem
A soltar-se
Mas não vencem
Não descansam
Nem descansas
Nem te sentem
Não te sentes
Nunca me senti tão viva
Para agarrar nesta bonança e trazê-la cá acima
Onde ainda há esperança e confiança nesta rima
Estive suja, venho limpa
[Scratch: Camboja Selecta]
[Refrão]
Eu vou nesta canoa
Esta marcha é minha
Procuro ser pessoa mas nunca andar na linha
Quando este barco voa, eu vou na proa
Mas ninguém imagina
Ninguém me imagina
[Verso 2]
Não há modo, eu mordo-me
Incomodo-me e discordo, tudo é gente
Não me sento no que penso
Acordo e faço ou acordo e esqueço
Há um silêncio e é tudo denso
Tenho em excesso o que me aquece
Uma vida, uma energia e apetece-me
Uma entrada, uma saída
Uma alegria em que tropeço
Alergia incompreendida de quem ainda não se viu por dentro
O senso não é comum
Ter coração é absurdo?
Sê absoluto em tudo (E tu)
Acorda e cria, aborda a cria, agora eu queria
E lá no fundo já me vi
A porta chia, volto à ria
Bate e fica mais bonita, vista da sinestesia, tudo ri
Se tudo ri, eu fico aqui, não vou lá atrás, vou estar em mim
Talvez cair, é mesmo assim
Para quê mentir se ‘tou bem com isso?
‘Tou bem com isso
Para quê?
‘Tou bem com isso