Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores / Voz do Leste
Antes que a gente desconfiasse que existia um território indígena na cultura brasileira, ainda não pensado pela música popular que fez tanta coisa bonita, tanta viagem por esse Brasil. Claro, a ditadura veio e a Bossa Nova interrompeu o seu trajeto. Quando estava começando a conversar, a sair dos apartamentos da zona sul do Rio de Janeiro e das... dos lugares, dos aviões onde até hoje toca Antônio Carlos Jobim e toda a coisa bonita da música moderna, que não toca nas nossas rádios, mas que toca por aí, nos aviões e nas terras, em outros povos, em outros mundos. Quando a Bossa Nova estava recebendo o morro no asfalto pra conversar com ele, com o Grupo Opinião, com o Teatro de Arena. Quando a música brasileira começava a considerar a receber a informação do Nordeste e a vir do Sul pro Nordeste trocando ideias. E Edu Lobo começava a fazer um trabalho que era ao mesmo tempo as Igrejas, o sertão e a modernidade. Quando tudo isso estava ficando bonito veio o AI-5 e interrompeu esse processo. E nós estamos até agora sem continuar essa coisa bonita que estava acontecendo. Certamente ela teria chegado à mesma conclusão que chegou um compositor brasileiro. Que soube usar essa terra fértil, a guaraneidade do Brasil pra passar a mensagem mais importante da época. Pra nos acordar num canto irmão e coletivo, caminhando, e cantando, e seguindo a canção (...) Eu quero que esse seja um canto de vocês... de vocês pra mim mais do que de mim pra vocês. Vandré não aceita, não goste que se cante a música dele. Vandré tem uma ideia dele sobre o que ocorreu. Nenhum de nós sofreu tanto quanto ele. Por isso eu não concordo com ele, estou aqui na luta, mas eu respeito Vandré. Então, melhor que nós continuemos fazendo aquilo que o Brasil todo vai continuar fazendo. Vamos cantar junto!
Caminhando, e cantando, e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando, e cantando, e seguindo a canção
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos a fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão (Não!)
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
De morrer pela pátria e viver sem razão (Não!)
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando, e cantando, e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Os amores na mente, as flores no chão,
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando, e cantando, e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
VOZ DO LESTE (Taiguara)
Sou voz operária do Tatuapé
Canto enquanto enfrento o batente com a mão
Trabalho no ritmo de um bom Chamamé
Meu pouco salário faz minha ilusão
Sou voz operária do Tatuapé
Vivo como posso e me deixa o patrão
E enquanto respira dessa chaminé
Meu povo se vira e não vê solução
No teatro da vergonha
Onde a verdade não se diz
Tem quem representa a massa,
Quem ri da desgraça
E quem banca o infeliz
Tem até burguês que sonha
Que entra em cena e engana a atriz
Tem quem sustenta a trapaça
E depois que fracassa
Amordaça o país
Já meu drama é o da cegonha...
Quase morre o meu guri...
Sobra pro leste a fumaça
E a peste ameaça
O ar do Piqueri,
Mas pior que a matança medonha
É o desemprego pra engolir...
Seja no peito ou na raça,
Esse teatro devasso
Alguém tem que proibir... (cadê a censura?)
Seja no palco ou na praça
Essas peças sem graça
Vão ter que sair.