Castigo Dobrado

Joaquim Moreira

No tempo da escravidão
O fazendeiro malvado
Tinha na sua fazenda
Muitos presto escravizado
Trabalhando na mangueira
Na dura lida do gado
Nos serviços do terreiro
Nas lavouras de roçado
Era um bando de animais
Nada menos, nada mais
Por ele considerado


Morava numa senzala
E dormia pelo chão
Eram tratados no cocho
Como era as criação
Uma preta cozinheira
Que morava no porão
Apanhava todo dia
Da sinhá e do patrão
Era uma escrava gestante
Judiada morreu antes
De no filho pôr bênção


Depois que a preta morreu
Disse a cruel criatura
Com ela vou estercar
Minhas terras de cultura
Enterre lá no quintal
Num lugar de terra dura
E plante um pé de laranja
Em cima da sepultura
Dessa nova laranjeira
Quero provar a primeira
Quando estiver madura


Aquela planta cresceu
Muitos frutos produziu
Quando estava madura
Uma laranja pediu
Com orgulho descascou
E na boca comprimiu
E da fruta em vez de suco
Muito sangue ele engoliu
Querendo pedir perdão
Ajoelhou-se ali no chão
Mas a fala não saiu


E dali se levantou
Numa grande tremedeira
Lá pra sede da fazenda
Ele saiu na carreira
Sem comer e sem dormir
Passou a semana inteira
O silêncio que havia
Transformou-se em barulheira
Ele foi bem castigado
Morreu louco enforcado
Num galho da laranjeira

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